Reconectar: verbo bitransitivo e pronominal, que significa conectar outra vez; estabelecer uma nova conexão. Sinto-me, neste momento, bitransitivamente e pronominalmente reconectada à literatura.
A mim parece que ninguém mais tem saúde mental. Estamos em um constante estado de depressão, ansiedade e pânico. E não seria eu a passar incólume por isso: fui acometida de burnout, nome chique para esgotamento. E carrego dois laudos que me atestam como bipolar e autista com nível um de suporte.
Ok, mas e a literatura? Onde é que ela entra nessa conversa? Bom, foi a pobrezinha a quem eu elegi como a vilã dos meus problemas mentais. Coloquei em cima dela toda a parcela de culpa por eu ter ficado anos sem conseguir sair do lugar tenebroso que meus sentimentos me colocavam. Apontei todos os dedos na cara de uma senhora – sim, assim eu a vejo, uma velha e elegante senhora que mora na Avenida Paulista em São Paulo mas adora frequentar festas alternativas como forma de se manter jovem – dona das palavras e dos livros. Dona do conhecimento, dona da cultura, dona do registro de tudo o que a humanidade já fez, faz ou fará.
Os livros, sempre importantes para mim, se tornaram um gatilho. Eu já não era mais capaz de ler. Escrever então? Deus me livre. E me isolei, dentro do meu casulo triste e solitário. Afastei as letras, as frases, as orações. Afastei os amigos que havia feito em mais de quinze anos no ofício. Afastei os leitores. Afastei as editoras. E afastei, sobretudo, os eventos literários. Na minha doença, culpei em especial, aos eventos literários, pois era por causa deles que a minha vida tinha ido à lama.
Mas o tempo, ah o tempo! Ele sempre faz as coisas se ajustarem. Se tem uma coisa que a maturidade nos ensina é que o senhor da razão é implacável e não para. Com os passar das agulhas do relógio, pude perceber que a minha chique senhora paulistana, a Literatura, não tinha absolutamente nada a ver com os monstros que eu mesma criei. E aos poucos fui criando coragem para sair de dentro da minha caverna.
Primeiro li um livro. Depois li outro livro. E quando vi, voltei a ser leitora. Então, escrevi uma crônica. Escrevi um conto. Escrevi um romance… Sim, eu estava voltando, já podia passar uma mensagem para a Literatura e eventualmente fazer até um telefonema. Mas ir à casa daquela nobre senhora ainda era demais para mim. Eventos? Nem pensar! Feiras literárias? Nunca mais! Estava decretado.
Só que sabe quem passou novamente? O Tempo! Se a Literatura é uma senhora elegante, o Tempo é um senhor muito sem educação, barbudo e que não gosta de tomar banho. E ele me jogou em Portugal, onde há a belíssima Feira do Livro de Lisboa.
Meu primeiro pensamento foi: “eu jamais colocarei meus pés lá”. Mas comecei a ver fotos. Era tudo tão bonito! Lisboa estava tão linda, com dias ensolarados. Os estandes pareciam tão belos e a programação… Ah, a programação! Debates, autógrafos, palestras! E me deu saudade. Essa palavrinha sem vergonha que só existe na língua portuguesa!
E fui! E passeei. E andei pelos corredores de uma feira literária. E me senti pulsante, viva, com o sangue percorrendo as minhas veias.
Ah, Literatura! Que saudade eu estava da senhora!
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